A reprodução digital é fundamental para a proteção e preservação do património cultural sendo, por vezes, a única representação do original a que o utilizador pode ter acesso. Acresce que o acesso à representação digital deve ser feito sem colocar em causa a percepção de autenticidade , pelo que a “versão digital” deve manter com o original uma relação verificável e mensurável, por isso, a sua execução não deve ser sujeita a interpretação subjectiva ou preferência individual.
Parâmetros de qualidade essenciais
Cor e Contraste
Cor e contraste são dois dos aspectos essenciais na percepção de uma obra de arte, e a sua recriação digital deve ser feita com especial exigência. A maioria dos equipamentos digitais são otimizados pelos seus fabricantes com vista à produção de resultados “agradáveis” e apelativos, sendo que a interpretação destes termos é, naturalmente, subjectiva e altamente dependente do gosto prevalecente.
A título ilustrativo, considere-se a diferença entre duas reproduções da “Noite Estrelada” de Van Gogh:

A reprodução correcta será sempre objecto de discussão, e por vezes desacordo, entre fotógrafos, investigadores, curadores ou público comum. Na verdade, a percepção visual depende do contexto espacial e da iluminação, dos periféricos usados para “descodificar” a reprodução digital e da acuidade visual do observador. No entanto, existem aspectos que podem ser controlados e avaliados de forma objectiva.
É essencial a adopção de protocolos de reprodução assentes na normalização e calibração de todos os equipamentos e ferramentas, bem como na avaliação objectiva dos resultados por eles produzidos.
De forma a garantir um registo descritivo e rigoroso de toda a informação visível da obra de arte, a resposta do sistema digital usado é calibrada através da criação de perfis de cor específicos, com recurso a Miras Técnicas com amostras de cor medidas individualmente e certificadas por confronto com um ficheiro com valores de referência. A qualidade do perfil de cor criado pode e dever ser aferida recorrendo à reprodução de uma mira técnica diferente, capturada nas mesmas condições. Os resultados obtidos são confrontados com os valores expectáveis, atestando que as diferenças estão dentro das tolerâncias admitidas pelo normativo internacional aplicável à reprodução de património.
Apesar de poderem ser usadas miras técnicas com um nº reduzido de amostras de cor para avaliação da consistência do sistema, estas não fornecem informação suficiente para a criação um perfil de cor adequado para a reprodução de bens patrimoniais. É por isso essencial o recurso a miras técnicas com um elevado nº de amostras de cor, sendo o mais comum e prático (porque comercialmente fácil de obter) a utilização de pelo menos 140 amostras.


Exemplo da mira comercial comunemente usada, com 24 amostras: não adequada para calibração correcta do sensor (© X-rite)
Mira para calibração e linearização da resposta do sensor: 140 amostras de cor e respectivo ficheiro de referência. (© X-rite)
Resolução
A Resolução diz respeito à capacidade de registar e distinguir detalhes. Num sistema de reprodução digital, dois factores determinam o nível de detalhe que pode ser registado: a quantidade da amostragem e a qualidade e performance do sistema.
A Quantidade ou Frequência de amostragem, quando avaliada em PPI (Píxeis Por Polegada), diz respeito ao nº de píxeis usados para representar uma polegada do original físico. Significando que, numa reprodução de 300 PPI, cada polegada do original é representada por 300 píxeis na imagem digital;
Mas a quantidade de pixeis usados diz pouco ou nada sobre a Qualidade ou Eficiência da Amostragem, ou seja, sobre o detalhe efectivamnete captada com os pixels usados.
Dito de outra forma, o termo genérico Resolução apenas diz respeito à quantidade teórica de pixels usados. A qualidade do resultado final está dependente da performance dos elementos que compõem o sistema de captura (hardware, software, ambiente, luz e qualidade dos elementos ópticos) e do nível de “ruído parasita” por eles introduzido.
A relação entre a Resolução usada (quantidade ou frequência espacial da amostragem) e o nível de detalhe conseguido (qualidade efectiva do resultado), determina a eficiência da amostra recolhida. Quando as duas coincidem, existe uma eficiência de 100% – difícil de obter em contextos e ambientes não controlados.
Tal como em relação à cor, a avaliação objectiva destes parâmetros é essencial no sentido de determinar se a reprodução regista o nível de detalhe adequado à resolução usada.
De acordo com as Normas Internacionais, terá que haver um eficiência de amostragem superior a 85% (ISO19264), sendo aplicados os seguintes critérios mínimos de acordo com o original:
- < A5: 600 PPI, detalhe distinguível de 12lp/mm (pares de linhas por milímetro) ou 0,17mm
- > A5 e A3: 300 PPI, detalhe distinguível de 5lp/mm ou 0.34mm
- > A3: 150 PPI (C. 2.5lp/mm ou 0.71 a 1.42mm) ou qualidade mínima de 300 dpi em tamanho de impressão A3.
Nota: PPI (píxeis por polegada) diz respeito à amostragem digital, DPI (pontos por polegada), diz respeito à impressão em suporte físico.
Outros valores poderão ser considerados, quando articulados e aprovados antecipadamente pela gestão do projecto.
Validação de resultados
Após a calibração dos equipamentos e sistema usado, são produzidos relatórios técnicos onde os resultados obtidos são comparados com os valores das referências, de forma a garantir que estes se encontram dentro das tolerâncias estabelecidas pelas Normas e Directrizes Internacionais aplicáveis.

Resultados
O protocolo aplicado tem como objectivo a obtenção de uma representação digital, tecnicamente correcta e visualmente neutra: uma Matriz de Preservação Digital.
Estas Matrizes de Preservação Digital, formato TIFF a 16bits em espaço de cor independente EciRGB v2, devem ser entendidas como ficheiros base, tecnicamente correctos e tecnologicamente independentes, a partir dos quais podem ser criados os derivados necessários, nomeadamente:
- Versões de Produção para impressão, editadas de acordo com o sistema de impressão e output escolhido (exp. Tiff a 8bits em espaço de cor AdobeRGB(1998));
- Versões de Acesso, para usar nos repositórios online ou plataformas digitais (Jpg, Png, etc..);
- Outras versões necessárias com interpretações mais subjetivas e criativas.
Na verdade, só a partir da reprodução objectiva é possível (e por vezes desejável) produzir interpretações subjectivas e ainda assim continuar fiel ao original em aspectos essenciais. Acresce que, uma reprodução inicial subjectiva, resultado de uma interpretação mais ou menos pessoal ou dos algoritmos do equipamento, pode originar desvios impossíveis de resolver numa fase futura da vida de uma imagem digital.
Matrizes de Preservação e possível “interpretação” para impressão ou visualização, produzida a partir do mesmo ficheiro
Equipamentos
Câmera
Câmeras digitais com um sensor de médio formato, com captura de 16bits, capazes de produzir ficheiros de 102MP ou 400MP (a mais alta qualidade existente no mercado), com recurso a tecnologia Multi Shot. Dependendo do projecto são também usados sensores Full Frame de 35mm (24x36cm) de 45MP, nomeadamente quando é necessário o recurso a técnicas de Stitching ou Fotogrametria.
Lentes
Embora a escolha dependa do projecto e obra a reproduzir, a escolha é sempre feita entre as lentes prime fixas disponíveis no mercado, em detrimento de zooms, pelo sua superioridade óptica. Para pintura, desenhos ou outros originais bidimensionais, são usadas lentes Prime Macro e Apocromáticas, de construção simétrica, otimizadas para planos.
Iluminação
Iluminação com CRI +95% (Color Render Index) e protecção UV, dando preferência à utilização de unidades flash. O recurso a iluminação de flash de estúdio, tem como principais benefícios:
- a emissão de luz de espectro contínuo com equilíbrio equivalente à luz natural de dia;
- a consistência ao longo de uma sessão de trabalho;
- maior precisão cromática;
- a curta duração da luz emitida.
Estas características minimizam a exposição de obras de arte frágeis e delicadas e permitem velocidades de captura elevadas.
Miras Técnicas
X-rite Colorchecker SG: para calibração da resposta de cor do equipamento, construção de perfis ICC e avaliação de OECF (Opto Electronic Conversion Function).
QA-62: Para determinação objectiva da taxa de reprodução obtida e SFR (Spatial Frequency Response).
X-rite Colorchecker mini: para verificação da consistência da exposição e contraste ao longo de uma sessão.
Munsell linear Gray Scale: para verificação da consistência da exposição e contraste ao longo de uma sessão.
UTT (universal Test Target): na reprodução de Arquivos, para avaliação geral da resposta do sistema.




